Quarta no mercado brasileiro de tecnologia, empresa investe na fabricação local e em novos produtos, como smartphones, para dobrar participação
Fernando Scheller

Domínio. Ordem de Stone é crescer no varejo, que concentra 70% das vendas de tecnologia no País
A Lenovo disputa palmo a palmo com a HP a liderança mundial do mercado de PCs, mas sua presença no Brasil ainda não lembra, nem de longe, a posição dominante conquistada no exterior. Considerando a compra da CCE no ano passado, a empresa hoje está na quarta posição no mercado brasileiro – o terceiro mais importante para PCs no mundo, atrás somente da China e dos Estados Unidos. A ordem do presidente da Lenovo no Brasil, Dan Stone, é que esse cenário mude radicalmente a partir de 2013.
Para isso, a marca chinesa – uma gigante que fatura quase US$ 30 bilhões po rano – prepara um arsenal de guerra para ganhar terreno no mercado brasileiro. O primeiro passo será aumentar a fabricação local, que reduzirá em 50% os preços de produtos hoje importados – a empresa inaugurou em 2012 uma nova fábrica em Itu (SP). A companhia também vai acelerar os lançamentos, introduzindo sete novas linhas: ainda em 2013, a empresa lançará smartphones e ampliará o leque de TVs de tela plana e de laptops. Porfim, investirá US$ 100 milhões em cinco anos para a daptar ao gosto brasileiro produtos criados lá fora.
“O Brasil é o único entre os países Brics (grupo formado também por Rússia, Índia e China) em que não somos líderes”, diz Stone. “Precisamos crescer, em especial no varejo e pequenos negócios.” A meta da Lenovo é dobrar sua fatia de mercado, para aproximadamente 15%, o suficiente para disputar a liderança no País com Positivo, HP e Samsung em dois ou três anos. Para 2013, a previsão é expandir as vendas no Brasil em quase 40%, para US$ 1,5 bilhão.
Multimarca. A ampliação da oferta será suportada por uma estratégia multimarca. Ao contrário do que parte do mercado apostava, a Lenovo vai manter a CCE, comprada em setembro, na ativa. Como a meta é chegar à liderança, explica o diretor de marketing da Lenovo, Humberto De Biase, a empresa terá produtos para todas as faixas de renda. A CCE concorrerá no segmento de entrada, de preço baixo. Já a Lenovo terá ofertas de mais valor agregado, para concorrer com Sony, Samsung e HP. A permanência da CCE é considerada perigosa por parte do mercado. Segundo Sandro Cimatti, da consultoria especializada em tecnologia CVA, a marca tem o pior “recall” do mercado. Pesquisa da CVA ,que ouviu 7 mil consumidores, mostra a CCE com o segundo maior índice de respostas “pior computador”, com 12,7%, superada só pela líder Positivo, com 13,2%. “Mas é preciso levar em conta que a fatia de mercado da Positivo é muito maior do que a da CCE.”
Embora admita os problemas de imagem, Biase diz que a relação custo-benefício da CCE na cabeça do consumidor é clara. Ou seja: ele está ciente de que os produtos não são “top de linha”. O executivo diz que o desafio da Lenovo é justamente melhorar a experiência do cliente com a CCE. Para marcar a nova fase, a Lenovo vai redesenhar a marca e também mexer no portfólio, sem perder o foco na baixa renda. Um dos lançamentos previstos para a CCE neste ano é um smartphone com sistema operacional Android, do Google, que custará R$ 209.
Ao pagar R$ 300 milhões pela CCE, a gigante chinesa não estava atrás de reputação da marca, mas de um atalho para crescer no Brasil. Entre os ativos que pesaram a favor da aquisição estão as fábricas de Manaus – onde a produção tem benefícios fiscais – e a relação com o varejo, algo difícil de desenvolver do zero. O “salto” da Lenovo do mercado corporativo para o varejo, dizem fontes do mercado de tecnologia, será facilitado pelos relacionamentos herdados da CCE.
Ao usar a CCE para as linhas de entrada, a marca Lenovo também se distancia da “pecha” de produto de qualidade duvidosa. Dentro da meta de se antecipar às demandas do consumidor, a Lenovo decidiu, por exemplo, que todos os seus lançamentos terão tela sensível ao toque. Mesmo com a redução de custos decorrente da produção local, a empresa deverá apertar margens para oferecer novidades a preços acessíveis.O IdeaPad Yoga, laptop que pode ser convertido em tablet, foi uma das principais apostas da marca no ano passado. Hoje, é vendido no Brasil por R$5,5 mil, somente na FastShop. Com o início da produção local, ainda neste semestre, o valor deverá cair para R$ 2 mil, o que abrirá espaço para o Yoga em redes de varejo mais populares.
Receita coreana. A estratégia de construção de reputação da Lenovo lembra a empreendida na última década por marcas coreanas como a Samsung e a LG – foi desta última, aliás, que veio o diretor de marketing da companhia. Para Cristina Nogueira, da consultoria de negócios Walking the Talk, o desafio é conseguir que pelo menos um produto da Lenovo atinja o status de “sonho de consumo”.“ É o que aconteceu com a linha Galaxy, da Samsung. Eles acertaram a mão rapidamente.”
A briga com as coreanas também se reflete no portfólio. A Lenovo, que hoje disputa espaço principalmente em laptops e tablets, será mais agressiva também em smartphones e TVs de tela plana. Segundo Cimatti, da CVA, a Lenovo ofertará novidades a preços competitivos para convencer o consumidor a experimentá-la. “É o que a Samsung fez no setor de TVs, superando Sony e Philips. Mais recentemente, a estratégia deu certo em laptops”, diz o consultor. Com a posição de líder mundial em PCs, o consenso é que a Lenovo tem lastro financeiro para apertar margens para ganhar mercado. O que ainda não está claro é se os produtos terão “encanto” suficiente convencer o cliente a trocar novamente de preferência.

Público. Mello (D), da LiveAd, e Biase, da Lenovo: games para atrair os ‘hackers’
Na propaganda dos carros JAC, o apresentador Fausto Silva lista as qualidades do veículo e destaca o “design italiano” dos automóveis, mas não faz nenhuma menção à origem chinesa da montadora. A descrição que o diretor de marketing Humberto DeBiase faz da Lenovo –“somos uma empresa mundial” – vai pelo mesmo caminho e evidencia o desafio de imagem que as marcas “made in China” enfrentam ao vender produtos que têm atributos que vão além do preço competitivo.
A Lenovo sabe, e o mercado concorda, que é difícil tirar da cabeça do consumidor a impressão de qualidade duvidosa que acompanha os produtos chineses – daí a tentativa de se afastar dessa categoria. A Lenovo tem um ponto a seu favor na estratégia de se tornar um “objeto de desejo” do consumidor.
A compra da thinkpad, marca de PCs da americana IBM, pode ajudar a pavimentar esse caminho, segundo a presidente da consultoria de negócios WalkingtheTalk, CristinaNogueira. “No mercado corporativo, a Lenovo pegou carona na IBM e hoje seu produto é considerado robusto e confiável”, diz a consultora. Para aproveitar essa imagem positiva, a Lenovo decidiu lançar a linha thinkpad no varejo brasileiro ainda este ano.
A transição do mundo corporativo para o varejo, diz Cristina, depende do trabalho de construção de marca da empresa, pois a decisão de compra do consumidor passa por aspectos emocionais, como design e reconhecimento de mercado. “Hoje, a Lenovo ainda está longe de ser a primeira escolha do brasileiro.”
O êxito no mercado de consumo é vital para a estratégia da Lenovo de virar uma das líderes no mercado brasileiro. Segundo Camila Pereira Santos, analista de mercado da IDC Brasil, cerca de 70% da receita do mercado de tecnologia no Brasil está concentrada nos usuários pessoa física.
Além da extensão da linha thinkpad, outra medida da Lenovo para transferir aimagem positiva do setor corporativo para o varejo é o relacionamento coma comunidade hacker. Esse público, que exige rapidez e confiabilidade das máquinas, é considerado formador de opinião em tecnologia. Por isso, a agência d aLenovo, a LiveAd, organizou o projeto TechMission: Operação Drone, que reúne aficionados em tecnologia para a construção de um robô voador com o auxílio de PCs da marca.
Para ampliar o contato do consumidor – gerandoconhecimento e, quem sabe, admiração pela marca –, a Lenovo criou também um game no Facebook ao redor das funcionalidades do ultrabook IdeaPad Yoga. Cerca de 17 mil pessoas se inscreveram e jogaram 2,1 milhões de partidas. “O vencedor da primeira rodada interagiu com amarca por 7 horas e 48 minutos”, diz Lucas Mello, presidente da LiveAd.
NOVOS PRODUTOS

IdeaPad Yoga
Ultrabook que pode ser convertido em tablet e vem equipado com tela sensível ao toque terá o preço reduzido a menos da metade com o início da fabricação local.

Smartphone CCE
Um dos projetos da Lenovo para a baixa renda é umsmartphone da CCE. O produto, que deverá ser fabricado em Manaus, virá equipado com o sistema operacional do Google, o Android.

thinkpad no varejo
Linha de computadores considerada uma das mais resistentes do mundo, comprada da IBM, fará a transição do uso no mundo corporativo para a venda em grandes magazines.