Mercado deve alcançar a marca dos US$ 11 bilhões em 2028, prevê consultoria
Os aplicativos de relacionamento não atraem apenas os que buscam uma cara-metade. Entraram no radar dos investidores, que vislumbram nesse setor um grande potencial de rendimentos. Um levantamento recente da consultoria de varejo CVA Solutions, com base em dados do Statista, aponta que esse mercado deve alcançar a marca dos US$ 11 bilhões (R$ 55 bilhões) em 2028.
Sandro Cimatti, sócio-fundador da consultoria e responsável pelo estudo, explica que as oportunidades vêm do diagnóstico de que as empresas do setor podem dobrar as receitas com melhorias na tecnologia das plataformas, incluindo mais filtros e ferramentas de interação capazes de aumentar a fatia de pagantes, hoje em torno de 25%. No Brasil, de acordo com a pesquisa, 18 milhões de brasileiros usam esse tipo de serviço, sendo 4,4 milhões assinantes de planos pagos.
— Os aplicativos ajudam muito por ampliarem as chances de alguém conhecer pessoas que não poderia nos seus circulos sociais ou no lugar onde mora. Se os algoritmos funcionassem melhor e a interface de bate-papo não travesse, mais pessoas estariam dispostas a pagar — avalia Cimatti.
Mesmo com a maioria dos usuários ainda limitada às ferramentas gratuitas, as grandes empresas do setor no mundo já faturam alto. Só no segundo trimestre deste ano, o Bumble Inc, grupo proprietário de aplicativo homônimo em que só as mulheres podem tomar a iniciativa de começar uma conversa, teve alta de 18,5% nas receitas em relação ao mesmo período do ano passado, alcançando US$ 259,7 milhões (R$ 1,3 bilhão) só entre abril e junho.
O número de usuários pagantes cresceu 28% em relação ao trimestre anterior, somando 2,5 milhões atraídos por vantagens como acesso à lista de pessoas que os curtiram, filtros capazes de uma seleção mais avançada e o modo invisível, no qual só as pessoas que o usuário gostar podem ver o seu perfil. No Brasil, o custo é a partir de R$ 29,90 por semana.
O JP Morgan sinalizou para investidores que era hora de deslizar para a direita (movimento feito nos aplicativos para indicar que gostou do pretendente) com um relatório em que aumentou o preço-alvo da ação do Grupo Match, dono do Tinder, o mais popular dos aplicativos de relacionamento, para US$ 60 no fim de 2024. Este mês, o banco previu um crescimento de 9% na receita para o ano que vem.
“Acreditamos que a Match está bem posicionada como líder incontestável no mercado on-line namoro, com uma participação estimada de aproximadamente 50% dos usuários globais de namoro em todo o seu portfólio de marcas, sendo o Tinder é o maior e mais lucrativo aplicativo de namoro em todo o mundo”, explicaram no documento.
O grupo, que conta com 15,6 milhões de pagantes no mundo, lançou em setembro nos EUA uma assinatura chamada Tinder Select, que custa US$ 499 (R$ 2.500) por mês. O plano, oferecido apenas a 1% dos clientes, permite buscar pessoas e enviar mensagens diretamente, mesmo sem ter dado match antes.
A novidade parece inspirada num outro sucesso no gênero, o The League, exclusivo para “solteiros ambiciosos com a carreira”, que só entram na plataforma por meio de convite. O app foi adquirido em 2022 pelo Match. Para garantir que só vai trocar likes com pessoas bem-sucedidas, o custo é de US$ 1 mil (R$ 5 mil) por semana, segundo a Bloomberg. A plataforma diz fazer uma triagem rigorosa, o que não costuma acontecer em outros aplicativos.
Para os investidores que estão apostando no segmento, será cada vez mais natural para as novas gerações terem no celular o principal meio para conhecer novas pessoas e iniciar relacionamentos. Joshua Montenegro, assessor de investimentos da Ável, diz que a pandemia acelerou a digitalização de diversos segmentos da vida, inclusive os relacionamentos:
— Os novos consumidores são a geração Z, hoje entre 15 e 20 anos. Muitos ainda são dependentes financeiros dos pais. A tendência é que, no longo prazo, haja uma demanda cada vez mais estável para esses apps amorosos. Os jovens de hoje cresceram já num mundo com redes sociais, não sabem como era antes do Uber, do Whatsapp. Para relacionamentos, vai ser a mesma coisa.
O setor ainda pode se valer do Fear of Missing Out (Fomo, na sigla em inglês), que é o medo de ficar de fora do que todo mundo está acessando ou fazendo. O temor de a alma-gêmea estar num aplicativo em que não têm inscrição pode levar consumidores a acumular diferentes assinaturas.
O Net Promoter Score (NPS) médio desses aplicativos, um indicador para medir a satisfação dos clientes, está mensurado em 16%, quando um nível considerado bom é de 70%. Um dos problemas é a falta de verificação dos perfis.
Casos de catfishing, quando os usuários se passam por outra pessoa, ainda são comuns, embora pudessem ser evitados com o uso de tecnologias de garantia de integridade, como o blockchain (que está por trás das criptomoedas, por exemplo) ou com verificação social, como a feita por aplicativos de transporte para conferir a identidade de motoristas parceiros. Independentemente disso, quem realmente acredita que o amor é cego continua recorrendo à tecnologia para encontrar um par e juntar as escovas de dentes.
Em busca do ‘match’ perfeito? Já há apps de namoro para veganos, negros e até para quem é de esquerda. Veja como funcionam
Startups também investem em plataformas para universitários e cristãos. No exterior, paga-se US$ 1 mil por semana para trocar ‘likes’ apenas com pessoas bem-sucedidas
Por Mayra Castro e Letycia Cardoso — Rio de Janeiro 29/10/2023
Fábio Batista e Danielle Kind se conheceram em um app para veganos, o Veggly, em 2020 — Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
Os iguais se atraem? ‘Veggly matches’ e ‘chamegos’ mostram que sim. Esses são os nomes dados às interações em novos aplicativos de namoro que seguem a tendência de focar em grupos específicos. Com a promessa de afinidade máxima no flerte virtual, startups investem em apps de relacionamento em nichos que vão de universitários e cristãos a maduros, negros e LGBTs.
As empresas perceberam que, na tentativa de não perder tempo com encontros com gente sem pontos em comum, os usuários de aplicativos de relacionamentos gostam dos filtros que refinam suas buscas. As plataformas viram nisso uma forma de conquistar assinantes para seus planos pagos e aumentar o faturamento.
Danielle Kindi, servidora pública de 41 anos, resolveu baixar e assinar o Veggly — aplicativo de relacionamento para vegetarianos e veganos — em maio de 2020. Não demorou para que ela, vegana desde 2009, e Fábio Batista, adestrador de cães de 42 anos, dessem match e marcassem um encontro. Juntos há três anos, já têm uma filha, que criam com dieta livre de carnes, claro. Para Danielle, o app foi decisivo na história de amor deles:
— O app me motivou porque, ainda que muitos achem só uma questão alimentar, ser vegano ou vegetariano é toda uma filosofia de vida.
Ovolactovegetariano (não come carne, mas segue dieta que permite consumo de produtos de origem animal, como ovos e laticínios) desde 2010, Fábio nunca tinha usado apps de relacionamento antes de ver esse tão nichado.
— Quando a pessoa não entende o que é o vegetarianismo, acaba zombando ou colocando a gente em situações desconfortáveis, como jantar num restaurante que não tem opção sem carne. Com uma pessoa que também pensa nessa alimentação, quase tudo fica mais fácil — diz.
Lançado em 2019 inicialmente no Reino Unido e depois nos EUA e no Brasil, o Veggly é um dos dois apps da Similar Souls, startup brasileira criada pelo engenheiro de computação Alex Felipelli, de 44 anos, para lançar plataformas para grupos específicos.
O Veggly já conta com 1,1 milhão de usuários e se diz líder mundial em dates de veganos e vegetarianos. Da receita, 90% vêm principalmente das assinaturas pagas pelos usuários e da venda de moedas digitais na plataforma, que permitem, por exemplo, dar mais curtidas. A empresa não fornece cifras, diz que o app chegou neste ano ao equilíbrio das contas, mas ainda sem lucro.
‘Date’ progressista
O outro aplicativo da startup, o Lefty, é voltado para pessoas com posicionamento político à esquerda. O foco é naquele usuário que não quer correr o risco de descobrir só na mesa do bar que o pretendente é militante de direita. Começou no Brasil em agosto de 2022, no auge da polarização da campanha presidencial. Como divisão ideológica não ocorre só no Brasil, a empresa quer tornar a plataforma global em 2024. E tem levado os dois apps a rodadas com investidores, em busca de recursos.
— Acreditamos que as pessoas têm preferência por um relacionamento com alguém da mesma comunidade. No caso do Lefty, a gente reparou que em muitos perfis nos apps (convencionais) as pessoas colocam o posicionamento político, por isso pensamos que seria um bom segundo nicho para trabalhar — diz Felipelli.
Michel Alcoforado, pesquisador de antropologia do consumo, atribui o crescimento dos apps nichados à tendência de digitalização dos afetos, com os algoritmos no papel de cupido digital. Eles permitem restringir o contato a pessoas que fazem parte de contextos que esperam reproduzir suas visões de mundo, observa:
— O grande problema disso é que a gente tem um acirramento das práticas narcísicas no amor. Os apps têm esse papel de botar o consumidor em contato com gente que ele quer, o que está muito atrelado a essa nossa dificuldade de lidar com o diferente, com o que não cabe na nossa fantasia.
No entanto, o pesquisador chama atenção para aplicativos específicos para a comunidade negra, que surgem justamente para combater o racismo na sociedade e que se reproduz no meio digital. Níveis mais altos de rejeição a pessoas pretas ou a hipersexualização de seus corpos nos apps convencionais estimularam a criação de aplicativos para a comunidade negra, como o Denga Love. “Amor negro, carinho e chamego” é o que promete o app em sua primeira tela.
— Em menos de um ano, conseguimos faturamento expressivo sendo uma empresa de impacto social: oferece um serviço para a comunidade negra e emprega exclusivamente pessoas pretas — diz Roger Cipó, cofundador do Denga.
Rebeca Barcellos e Jhon Francis se conheceram em um aplicativo para pessoas negras no final do ano passado, — Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
O app tem 112 mil usuários (cerca de 15% pagantes), usa o critério racial de autodeclaração e já é autossustentável, mas tem buscado investidores para crescer. No Denga, que se vale de elementos da cultura afro-brasileira para se diferenciar, em vez de um match, quando o interesse é mútuo os usuários “dão chamego”. Foi o caso de Rebeca Fernandes, 27 anos, e Jhon Francis, 25. Ela chegou ao app por indicação de amigo, após experiências ruins em outras plataformas.
— É muito difícil conhecer pessoas negras em outros aplicativos. Resolvi testar o Denga e, passou um tempinho, e eu já dei “chamego” com o Jhon. A gente nunca mais se largou.
Investidores seduzidos
Há uma série de outros nichos explorados em plataformas digitais de namoro, como redes de paquera entre evangélicos ou com idade acima de 50 anos. Entre os mais jovens, o Umatch, lançado em setembro de 2020, promove uma rede de relacionamentos de universitários. Bruno Adami, empreendedor de 26 anos, conta que a ideia surgiu a partir de conversas com amigos na faculdade, que percebiam o interesse de conhecer pessoas com objetivos parecidos.
— É uma rede para a galera de faculdade, que se identifica por estar vivendo essa fase, que é uma transição da adolescência para a vida adulta, um momento de conhecer pessoas da sua idade, sair, ir para as festas universitárias, se descobrir — define Adami, CEO da empresa, que tem como principal fonte de receita planos pagos.
O app já conta com mais de meio milhão de usuários e tem a pretensão de se internacionalizar. Foi lançado recentemente na Califórnia, berço das big techs nos EUA. Nele, é possível filtrar por universidade e até por curso e participar de dinâmicas como questionários relacionados à faculdade e conferir eventos previstos para já chegar lá com um match com quem também vai.
— Você só consegue entrar se comprovar que é universitário, então é uma rede muito mais segura. Das nossas usuárias, 65% só usam a Umatch. Elas não estavam se identificando com outros aplicativos — diz Adami, que já conseguiu pequenos aportes no negócio e agora está em busca de grandes investidores para escalar.
Os aplicativos de namoro não atraem apenas os que buscam uma cara-metade. Entraram no radar dos investidores, que vislumbram nesse setor um grande potencial de rendimentos. Levantamento recente da consultoria de varejo CVA Solutions, com base em dados do Statista, aponta que esse mercado deve alcançar US$ 11 bilhões (R$ 55 bilhões) no mundo em 2028.
Sandro Cimatti, sócio-fundador da consultoria, explica que as oportunidades vêm do diagnóstico de que as plataformas podem dobrar receitas com melhorias na tecnologia para incluir mais filtros e ferramentas de interação, estimulando mais pagantes. Hoje, são cerca de 25%. No Brasil, 18 milhões usam esse tipo de serviço, sendo 4,4 milhões assinantes de planos pagos.
Tinder é cobiçado
Recentemente, o banco JP Morgan sinalizou para investidores nos EUA que era hora de deslizar para a direita (movimento nos apps para indicar interesse em alguém) e cortejar o setor. Num relatório, previu forte crescimento do Grupo Match, dono do Tinder, o mais conhecido app do gênero, com cerca de 50% do mercado global.
O grupo, que tem 15,6 milhões de pagantes no mundo, lançou em setembro nos EUA uma assinatura chamada Tinder Select, que custa US$ 499 (R$ 2.500) por mês. O plano, oferecido a 1% dos clientes, permite buscar pessoas e enviar mensagens diretamente, mesmo sem ter dado match antes.
A novidade parece inspirada no The League, exclusivo para “solteiros ambiciosos”, que só entram no app com convite. Foi adquirido em 2022 pelo Match. Para garantir troca de likes só com pessoas bem-sucedidas, paga-se US$ 1 mil (R$ 5 mil) por semana, segundo a Bloomberg.
— Os novos consumidores são a geração Z, entre 15 e 20 anos. Cresceram num mundo com redes sociais, não sabem como era antes do WhatsApp, do Uber. Para relacionamentos, vai ser a mesma coisa — diz Joshua Montenegro, assessor de investimentos da Ável.